Estava aos pontapés à ratazana que saíra da sanita, para evitar que entrasse em casa. Resistente, a rata regressou ao interior do esgoto de onde saíra, e só uma mistura de água com ácido nítrico, despejada no dia a seguir lhe tratou devidamente da saúde.
A malta que se fizera passar por seus amigos, afastaram-se, para que a má fama que eles próprios lhes tinham dado, não os atingisse também.
Chegou perto do robot, que comprara a juros, e que alugara á grande usina operacional, sendo remunerado pelo labor efetuado por ele, de acordo com o contrato e lei em vigor. Tomou nota das horas de serviço efetuadas, feita na leitura do contador automático, atualizado pelo melhor software disponível no mercado. Contabilizou-as e memorizou-as no seu PC.
O relato de uma bronca programada para o humilhar, caso tivesse caído na ratoeira de aparecer, foi-lhe dito e contado em pormenores pela sua amiga e antiga vizinha, por quem era estimado, que soubera de outra fonte, essa ao que parece insuspeita.
O argumento da “comédia”, o oportunismo, o engodo usado, não traziam nada de novo ao modus operandi anteriores.
Outra amiga que o visitava no esconderijo, onde fora forçado a residir, por causa da violência psicológica e o caráter funerário das ameaças, e com ele fazia sessões de leitura, lendo à vez, e alternadamente os textos em voz alta.
Leu-lhe nessa noite esta passagem da Bíblia:
«Davi levou a sério aquelas palavras e ficou com muito medo de Aquis, rei de Gate.
Por isso, na presença deles ele fingiu estar louco; enquanto esteve com eles, agiu como um louco”, 1 Samuel 21:12-15.
— Será vantajoso fingir-se de louco, para contornar o inimigo, quando se está em desvantagem e quase à sua mercê? — Perguntou-lhe.
— Não sei. Ainda não analisei bem, o assunto. Mas há também um caso semelhante no Hamlet. Deixa-me ver se encontro o livro. Levantou-se foi à estante procurar.
— Eis aqui. Escuta só:
— “não estou louco de verdade, estou louco por astúcia”.
— Diz o Hamlet, não é?
— Sim.
— O fingimento da loucura fazia parte da estratégia para combater o tio.
— É um assunto nada fácil — disse ela — virá alguma coisa sobre isso na Arte da Guerra?
— Vou procurar. Entretanto tomemos um café. Sempre pensas em ir ao concerto dos Stones?
— Se também fores, vou contigo.
— Vamos então.
— Vais conseguir despistar os teus perseguidores?
— Talvez. Fiz o download do “Manual do bom despistador”, de um site especializado na net. Tem algumas dicas interessantes. Vou usar a que eles indicam para este tipo e género de situação.
— Conseguiremos ir em paz como nos assiste, como temos direito?
— Iremos com o risco calculado, usando a contrainformação para lhes fazer chegar aos ouvidos, que têm à espera uma brigada internacional para os deter.
— E funciona? — perguntou a amiga inquieta.
— Tem resultado. Não aparecem com medo que seja verdade.
— Tenho lido por alto o livro de Sun Tzu. — continuou — Pode ser que esta passagem tenho algo a ver com o assunto:
"Toda a guerra é baseada no engano. Assim, quando capaz de atacar, devemos parecer incapazes; Ao usar nossas forças, devemos parecer inativas; Quando estamos perto, devemos fazer o inimigo acreditar que estamos longe; Quando estiver longe, devemos fazê-lo acreditar que estamos perto."
— Faz sentido — disse a amiga — com essa é que os vais lixar.
Sorriu, como se não acreditasse, quando ele se voltou para pegar o maço e fumar um cigarro.
Santos Casais da Ferreira